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quinta-feira, 14 de outubro de 2010

O despertar da consciência‏

Nos idos de 1845, quando os Estados Unidos viviam os anos dourados que antecederam a sangrenta guerra da Secessão (1861-65), uma experiência única tomava curso em silêncio nas entranhas do país. O escritor e filósofo Henry David Thoreau mudava-se para uma cabana que construira com as próprias mãos, ao custo de US$ 28,13 no bosque profundo de Walden Pound, nas cercanias de sua Concord natal, no Massachusetts.



Durante dois anos, dois meses e dois dias, num período em que, segundo suas próprias palavras, "procurei exaurir todas as vantagens da solidão, sendo rico querendo pouco", viveu em completa imersão de consciencia, praticando também a agricultura de subsistência.

Das reflexões que dali emergiram, ele concluiu que o homem não está acima da natureza, mas é parte dela. Nesta cosmovisão, antecipou a necessidade de se proteger o ecossistema para assegurar a sobrevivência da Humanidade.



Além de analisar as relações entre o meio ambiente e os seres que nele vivem, alinhavou uma sensível análise filosófica da condição humana. Concluiu da frustração que sufoca o que de melhor existe no Homem, devido ao tipo alienado e mecânico de vida que se submete. E da qual sobrevém os piores defeitos do materialismo.



- Fui para a floresta porque desejava ter total controle sobre minha existência e escolhi me defrontar com os fatos essenciais da vida e ver se aprendia o que eles tinham para me ensinar, de modo evitar ser surpreendido na hora da morte, por não ter vivido. Não queria viver o que não era a vida. Viver é tão maravilhoso, e eu nem pretendia praticar a resignação - confessou.



Deste retiro existencial e suas abstrações, sem histeria ele escreveu "Walden or A Life in the Wood", um livro que se revelou além de sua época e dos mais surpreendentes jamais publicado, lançado em 1854.



Foi um dos primeiros a apontar o alto preço que o progresso a qualquer custo viria a cobrar, o deslumbramento do homem pelo supérfluo, os duvidosos valores sociais e as mazelas da ganância humana.



Este libelo inquietante contra o individualismo predatório e a desumanização das relações pessoais, que viriam a ser os traços mais marcantes do american way of life, sobretudo, transformou-se, um século depois, na base espiritual dos movimentos hippie, ecológico, anticonsumista, entre tantas outras tendências.



Dentro de um estrutura literária originalíssima, a obra aborda aspectos econômicos, antropológicos e filosóficos, com uma espontaneidade que vai do pedante ao introspectivo, no curto espaço de poucos parágrafos. O mesmo se dá ao descrever a exuberância das quatro estações, esmiuçadas, ora de forma científica, ora em profunda comunhão espiritual. Por exemplo, após observar a vida que renasce do lodo e o sobrevoo do gavião do charco na primeira manhã da primavera, questiona: "Num momento desses, o que significam histórias, cronologias, tradições e todas as revelações por escrito ?"



Da legião de pensadores que veio a influenciar, destacam-se o russo Leon Tolstói e Martim Luther King, Mahatma Ghandi, em uma legião que nunca parou de crescer.



Ao longo de sua curta vida de 45 anos, abreviada por tuberculose fatal, em 1862, Thoreau foi ele próprio um personagem autêntico. Formado em Literatura e Línguas por Harvard, era homem de muitos outros talentos. Por exemplo, foi um pioneiro no desenvolvimento do grafite para uso na escrita, cujo processo de produção ele aperfeiçou, em benefício da fábrica de lápis de sua família.



Não enxergava serventia nas notícias dos jornais ("Poluem com banalidades a nossa mente, templo de reflexões"). Místico e solteirão empedernido, era defensor do trabalho com prazer, mas indisposto com as boas maneiras e a caridade cristã.



Homem de aguçada intuição e rara integridade pessoal, Thoreau protagonizou também outra manifestação histórica, um ano após ter se retirado da civilização e embrenhado na floresta.



Por discordar do uso dos recursos públicos para custear uma guerra com o México, além de manter uma política escravista, David Thoreau deixou de pagar impostos federais, atrasados desde seu recolhimento ao bosque. Por isto, foi preso pelas autoridades locais.



Das lições tiradas deste breve episódio - foi solto no dia seguinte, depois que sua tia Marie, coberta de vergonha, pagou os tributos - se valeu para escrever o ensaio "A Desobediência Civil", de 1849, abordando o poder na sociedade democrática e o relacionamento do indivíduo com o governo, na sua defesa contra lei injustas.



Muitas décadas depois, Ghandi baseou-se na filosofia deste trabalho para lançar as sementes da luta pela independência da Índia, em seu movimento de resistência pacífica contra a Inglaterra. Era a desobediência civil na prática, contra ordem vigente.



- Deve o cidadão em qualquer momento, e até mesmo no menor grau, decidir contra a sua consciência e a favor da lei ? Então por que cada homem possui uma consciência ? Creio que deveríamos ser primeiro homens e depois súditos - ponderou Thoreau.



Na leitura que fazemos hoje desta longínqua obra transcendental, é natural que algumas das palavras de Thoreau pareçam excessivamente românticas, outras vezes arrogantes ou mesmo quixotescas. Mas pela controvérsia que ainda continuam despertando, mostram que continuam atuais, assim como a humanidade ainda permanece por demais inconsequente e fútil.



O trabalho que iremos publicar em capítulos, apresenta destaques selecionados da edição brasileira do livro "Walden ou A Vida nos Bosques. Inclui A Desobediência Civil" (Editora Ground).O objetivo, como muito do livro, é provocar a curiosidade pela obra e refletir seu conteúdo. A seguir, o primeiro capítulo.

Cabana onde Throreau morou em Walden


DO RETIRO NA FLORESTA
   "Ninguém pode ser um observador imparcial e sábio da raça humana, a não ser da posição privilegiada que chamaríamos de pobreza voluntária."
 A QUESTÃO EXISTENCIAL
  "Os homens, em sua maioria, levam vida de sereno desespero. Vão das cidades, sem perspectivas, para o campo, sem futuro...
  Uma desesperança estereotipada, mas inconsciente, esconde-se sob os chamados jogos e diversões da humanidade...
  Somos completa e sinceramente forçados a viver nossa vida negando a possibilidade de modificação."
   FALSOS VALORES
   "A maioria dos luxos e dos chamados confortos da vida, não só são dispensáveis como constituem obstáculos à elevação da humanidade...
   Também tenho em mente a classe dos que sendo poderosos na aparência, empobreceram mais do que todos, acumulando trastes que não sabem como usar, nem como jogar fora...
   Quando já se conquistou o necessário à vida, surge uma alternativa que não a de obter supérfluos, ou seja a de aventurar-se na vida...
   Casas com quartos vazios para homens vazios."
   DE FILÓSOFOS E FILOSOFIA
   "Os antigos filósofos eram uma classe que se notabilizava pela extrema pobreza de seus bens exteriores, em contraste com a riqueza interior...
   Hoje em dia há professores de filosofia, mas não há filósofos. Contudo é admirável ensinar filosofia, porque um dia foi admirável vivê-la...
   Ser filósofo não é apenas ter pensamentos sutis e fundar uma escola, mas amar a filosofia a ponto de viver, segundo seus ditames, uma vida de simplicidade, magnanimidade e independência...
   Ser filósofo também significa solucionar alguns problemas da vida, não só na teoria como na prática."
   QUESTIONAMENTOS
   "Por quê será que os homens degeneram sempre ? O que leva suas famílias a se acabarem ? Qual é a natureza do luxo que ergue e destrói nações ? Estamos certos que essa natureza (Walden) não existe em nossas vidas ?...
   Uma geração abandona as conquistas da outra, como se fossem barcos encalhados."
    SOBRE CAMISAS
   "As camisas são nossas verdadeiras cascas, que não podem ser removidas sem destruir o homem...
   Acredito que todas as raças, em alguma temporada, usa camisas...
   É conveniente que a pessoa se vista com tamanha simplicidade que, se a cidade for sitiada pelo inimigo, possa ir-se embora na maior simplicidade."

Postado por: Enéas M.F.

Um comentário:

  1. boa ideia, compartilhar o que apenas nós tínhamos, com exclusividade. pensamentos importantes.

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